Violência contra mulheres
- Bruna Sterza Nicoletta
- 5 de set.
- 5 min de leitura
De acordo com pesquisas europeias, a violência contra mulheres continua a atingir uma parcela significativa da população: aproximadamente um em cada três (cerca de 31%) das mulheres na União Europeia (idade 18–74) relatou ter experienciado violência física (incluindo ameaças) ou sexual ao longo da vida. Quando se considera especificamente a violência por parceiro íntimo, estatísticas europeias mostram que uma porção importante das mulheres que já tiveram um parceiro relatou ter sofrido violência física ou sexual por um parceiro ao longo da vida. Se incluirmos também a violência psicológica, a percentagem aumenta.
Mulheres que vivem no exterior — quer sejam imigrantes, refugiadas, migrantes laborais ou expatriadas — enfrentam fatores que aumentam sua vulnerabilidade à violência doméstica e dificultam o acesso a apoio: isolamento longe da rede familiar, barreiras linguísticas e culturais, desconhecimento dos direitos e dos procedimentos locais, dependência econômica ou de visto, medo de deportação ou perda de emprego, e dificuldades em aceder a serviços multilíngues ou especializados. Esses fatores tornam a denúncia e a busca por ajuda mais complexas entre pessoas fora do seu país de origem.
Compreender as dinâmicas do relacionamento abusivo é um passo essencial para proteção e recuperação. A seguir, explico o ciclo da violência, detalho sinais observáveis e trago uma lista do que pode ser considerado violência — incluindo situações específicas para expatriadas/os — além de orientações práticas.
Detalhamento do ciclo da violência
O ciclo da violência costuma repetir-se e consolidar padrões comportamentais que dificultam a saída da relação. É composto por três fases, que detalho aqui, com sinais e comportamentos que ajudam a identificá-las:
Fase 1 — Tensão :
* Aumenta a irritabilidade, críticas frequentes, pequenas humilhações ou comentários degradantes.
* Comentários e “brincadeiras” que minam a autoestima (ex.: “você não entende nada”, “ninguém vai querer você”).
* Comportamentos de vigilância e ciúme excessivo (checagem de mensagens, perguntas constantes sobre com quem fala).
* Controles subtis que se acumulam: pequenas restrições de saída, questionamentos sobre gastos, tentativas de isolar a pessoa aos poucos.
* A mulher pode evitar partilhar problemas com terceiros, minimizar episódios e esforçar-se para “acalmar” o/a parceiro/a.
* Pode haver ameaças veladas ou comentários sobre consequências caso a pessoa “saia” da relação (perda de casa, de emprego, do visto).
Fase 2 — Ato de violência :
* Explosões de raiva que resultam em agressões, sendo elas verbais (insultos, humilhações), psicológicas (ameaças, chantagem emocional), patrimoniais (danos, retenção de bens) ou físicas (empurrões, tapas, socos).
* Violência sexual: coerção, sexo forçado, pressão para atos sexuais indesejados.
* A mulher frequentemente fica em estado de choque, tenta minimizar o ocorrido para terceiros e pode procurar ajuda de forma limitada ou secreta.
* Uso de chantagem (ameaças de usar documentos/autoridades, de revelar informações íntimas, de retirar apoio financeiro).
Fase 3 — “Lua de mel” :
* Pedido de desculpas intenso, promessas de mudança, gestos afetivos que recriam intimidade e dependência.
* Presentes, comportamentos atenciosos e discursos de remorso que confundem a mulher e reativam a esperança de mudança.
* Reforço da codependência: a mulher aceita racionalizações e evita falar sobre o episódio para manter a aparente paz.
* Com o tempo, os comportamentos da fase 1 ressurgem e o ciclo recomeça — muitas vezes com escalada.
A violência não se limita ao contato físico. Abaixo estão categorias amplas com exemplos concretos:
1) Violência física
* Empurrões, tapas, socos, agressões com objetos, estrangulamento, cortes ou queimaduras.
* Forçar a pessoa a consumir álcool ou drogas.
* Retenção física em casa ou tentativa de impedir a pessoa de sair.
2) Violência sexual
* Forçar relações sexuais sem consentimento, coagir a atos sexuais degradantes.
* Obrigar ao uso de contraceptivos contra a vontade ou impedir o seu uso (coerção reprodutiva).
* Exposição e divulgação não consentida de imagens íntimas.
3) Violência psicológica / emocional
* Insultos, humilhações públicas ou privadas, gaslighting (fazer a pessoa duvidar de sua sanidade/memória).
* Chantagem emocional (“se você for embora eu faço algo”).
* Isolamento social: impedir contatos com amigos, família, colegas; controlar com quem a pessoa pode falar.
* Desvalorização sistemática, comparações degradantes, controle das decisões pessoais.
4) Violência patrimonial / econômica
* Negar acesso a dinheiro, controlar contas bancárias, recusar prover o mínimo para moradia/equipamentos.
* Destruição de bens, impedir que a pessoa trabalhe, confiscar salários, criar dívidas em nome da mulher.
* Retenção de documentos financeiros e pessoais (cartões, passaporte).
5) Controle tecnológico / digital
* Monitorar mensagens, e-mails e redes sociais sem consentimento; instalar softwares espiões; usar localizadores.
* Exigir senhas, forçar publicações ou exposições públicas, ameaçar divulgar conversas íntimas.
* Uso de tecnologia para vigilância constante e humilhação online.
6) Violência social / simbólica
* Humilhar em público, reproduzir estigmas culturais/étnicos, ridicularizar a língua ou origem da pessoa.
* Impedir o acesso a espaços comunitários, eventos culturais ou consulares.
7) Violência legal / administrativa
* Ameaçar denunciar a pessoa às autoridades migratórias, reter ou destruir vistos e passaportes.
* Usar o desconhecimento das leis locais para coagir (ex.: “se você fizer queixa vou dizer ao seu empregador/ao seu consulado”).
* Impedir o acesso a informações sobre o estatuto migratório, esconder prazos ou documentos.
8) Assédio e perseguição (stalking)
* Seguir, esperar fora do trabalho/casa, enviar mensagens e ligações repetitivas e invasivas, aparecer sem aviso.
* Contatar repetidamente familiares ou empregadores para pressionar a pessoa.
9) Violência utilizando os filhos / manipulação parental
* Ameaçar retirar a guarda, usar filhos como forma de chantagem emocional, manipular laços parentais para isolar a vítima.
Cito também situações específicas para expatriadas
* Retenção do passaporte ou ameaças de retirada do visto para impedir que a pessoa retorne ao país de origem ou saia do país.
* Proibir ou sabotar aulas de idioma, cursos de integração ou entrevistas de emprego, mantendo dependência econômica.
* Ameaças de deportação ou de denúncia às autoridades migratórias se a vítima buscar apoio.
* Barreiras intencionais ao acesso a serviços multilíngues: recusa em acompanhar ou traduzir documentos quando necessário.
* Isolamento forçado em moradia temporária sem possibilidade de buscar recursos externos.
* Coerção para realizar procedimentos administrativos que a pessoa não entende (assinaturas, contratos).
Como usar essa informação?
* Liste sinais repetidos — nem todo episódio isolado caracteriza relação abusiva, mas padrões persistentes sim.
* Se identificar comportamentos descritos acima, considere planejar uma saída segura: registar evidências (prints, mensagens, fotos de lesões), mapear contatos de emergência (consulado, linhas de apoio, amigos de confiança) e, se possível, ter cópias de documentos importantes guardadas em local seguro.
* Em contextos migratórios, buscar orientação jurídica sobre o estatuto de residência antes de tomar decisões arriscadas; consulados podem orientar sobre direitos e procedimentos.
* Procure apoio confidencial (profissional de saúde mental, advogado/a, organizações de apoio a migrantes) — há serviços que oferecem atendimento multilíngue e aconselhamento sobre vistos/abrigo.
As respostas precisam combinar apoio imediato (abrigo, linhas de apoio, orientação jurídica) com medidas estruturais.
A transformação desta realidade é um processo individual e político: embora muitas respostas (abrigo temporário, apoio social) sejam fundamentais, também é necessário trabalho contínuo de prevenção, educação e mudança institucional para que mulheres encontrem caminhos seguros e sustentáveis para reconstruir suas vidas, bem como atentarem-se ao cuidado de si para evitarem que estas formas de se relacionar não sejam repetidas, revividas e normalizadas em suas vidas.
Saiba que não precisa passar por isso sozinha. Como psicóloga e Lebens-und-Sozialberaterin baseada na Áustria, ofereço atendimento online e posso apoiar você a:
* reconhecer sinais de relacionamento abusivo e avaliar riscos imediatos;
* construir um plano de segurança ajustado à sua realidade (incluindo questões de visto e contatos úteis);
* oferecer escuta profissional para lidar com medo, vergonha e decisões difíceis;
* encaminhar para apoio jurídico, consulados, serviços sociais e redes comunitárias.
Estou aqui para ouvir sem julgamentos e ajudá-la a encontrar caminhos de proteção e recuperação.
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