O corpo na adaptação: o que ele sente quando mudamos de país
- Bruna Sterza Nicoletta
- 5 de set.
- 3 min de leitura
Quando nos mudamos para a Europa, pensamos em documentos, idioma, trabalho e moradia. Poucos lembram, porém, que o corpo também atravessa essa mudança.
Na fenomenologia, o corpo não é apenas biológico, mas existencial: é através dele que nos relacionamos com o mundo. O corpo é memória, é linguagem silenciosa, é o primeiro a encontrar o estrangeiro antes mesmo da mente elaborar.
Ao mudar de país, o corpo passa a habitar um espaço desconhecido, e essa experiência pode revelar tanto estranhamento quanto novas formas de presença.
O corpo como abertura para o mundo
Merleau-Ponty nos lembra que não “temos” um corpo, somos corpo. Ele é a nossa abertura para o mundo, o lugar de onde partem todas as nossas experiências.
Ao chegar a um novo país, essa abertura é colocada à prova: o corpo precisa aprender novos gestos, novas posturas, até mesmo um novo modo de olhar e ser olhado.
Sensações que revelam diferenças
O corpo percebe a mudança antes das palavras:
* A pele sente o frio de um inverno que chega cedo.
* Os olhos estranham a luz diferente das manhãs.
* O paladar encontra sabores que parecem familiares, mas não são os mesmos.
Cada sensação é um lembrete de que estamos em outro mundo, que exige um novo modo de estar.
A memória incorporada
O corpo carrega uma história: os cheiros da infância, o ritmo da música brasileira, a forma como aprendemos a cumprimentar alguém.
Em outro país, essas memórias se manifestam no contraste com o presente:
* Um abraço que aqui parece “intenso demais”.
* Um gesto de proximidade que não encontra resposta.
* O ritmo da fala que se acelera diante de um idioma que ainda não nos veste bem.
Essa corporeidade revela nossa origem, mas também nos desafia a criar novas formas de expressão.
O ritmo e a temporalidade do corpo
Cada país tem um ritmo próprio: o tempo do trabalho, o silêncio das ruas, a velocidade das interações.
O corpo, então, precisa negociar com esse novo tempo. Ele se cansa, resiste, tenta acompanhar.
Na fenomenologia, chamamos isso de tempo vivido: não o do relógio, mas o que pulsa em nós. Adaptar-se significa encontrar uma maneira singular de estar nesse tempo sem perder completamente o compasso de onde viemos.
Cuidar do corpo como forma de habitar melhor
Cuidar de si no estrangeiro não é apenas questão de saúde física, mas também de enraizamento.
* Criar rituais de bem-estar (um banho quente no inverno, um chá antes de dormir).
* Respeitar os limites do corpo diante da nova rotina.
* Reconhecer que o corpo precisa de tempo para aprender a “morar” em outro lugar.
Esse cuidado é uma forma de dar hospitalidade a nós mesmos.
O corpo como lugar de reconciliação
Na adaptação, mente e corpo nem sempre caminham juntos. A mente pode querer acelerar, enquanto o corpo pede pausa.
Escutar o corpo — seus sinais, tensões e resistências — é também um caminho de reconciliação com a própria experiência de viver fora.
Mudar de país é também mudar de corpo.
Ele sente, sofre, se alegra e aprende antes mesmo que tenhamos palavras para explicar.
Ao olhar para o corpo como parte essencial da adaptação, não apenas nos ajustamos a uma nova cultura, mas também descobrimos novas formas de ser e de existir no mundo.
Se você sente que o seu corpo ainda não encontrou um lugar de descanso e presença no novo país, talvez seja o momento de olhar para isso com mais cuidado e escuta.
Sou Bruna Sterza Nicoletta, psicóloga e Lebens- und Sozialberaterin certificada na Áustria, e ofereço atendimento online para brasileiros que buscam compreender e dar sentido à experiência de viver fora.
Comentários